A Batalha do Buçaco e o Exército Português
Uma visão da Batalha do Buçaco pelo Coronel Luís Sodré de Albuquerque, Diretor do Museu Militar de Lisboa
No próximo dia 27 comemora-se o 207º aniversário da Batalha do Buçaco. Nunca é demais, e sobretudo nestes tempos de imediatismo e visibilidades, recordar esta data, desconhecida de muitos e de grande significado para o país e para o seu Exército.
O episódio da História a que chamamos “Invasões Francesas” é uma das ocasiões em que este país se reinventou, transformando as fraquezas em forças, sacudindo o jugo que nos tentaram impor, e assumindo um papel importante e ativo na expulsão do agressor.
Mesmo que a Portugal não seja dado o devido valor no contexto das campanhas napoleónicas, isso não quer dizer que não o tenha tido. Escreveria o historiador e estadista francês Adolphe Thiers, referindo-se à invasão de Portugal, que esta foi “a origem das infelicidades da França”. Talvez não tenha sido aqui o fim do 1º Império francês, mas foi com certeza aqui que começaram os seus reveses.
Mas voltemos à batalha.
No Verão de 1810, o Imperador dos Franceses, Napoleão Bonaparte, concretizava a sua terceira tentativa directa de invadir Portugal. Já antes, em 1807 e em 1809, o General Junot e o Marechal Soult, respetivamente, protagonizaram duas invasões mal sucedidas. Agora, cabia a vez ao Marechal André Massena, à frente do melhor e maior exército francês que invadiu Portugal e que combinava veteranos das campanhas de Austerlitz, Iéna e Friedland, sob o comando do Marechal Ney e do General Reynier, e conscritos inexperientes, sob as ordens do General Junot.
A campanha inicia-se com os cercos de Ciudad Rodrigo e Almeida, que são conquistadas. Pelo meio, trava-se ainda o combate do Côa, como culminar da ação retardadora que a Divisão Ligeira do Exército Anglo-luso vinha a executar. Depois, Massena vai progredir por um cenário devastado pelos próprios habitantes, por forma a evitar que os invasores se abastecessem, em direção a Coimbra, por itinerários convergentes em Viseu. Nesta cidade reagrupa o seu exército, demora-se alguns dias e retoma a marcha em direcção a Mortágua e Coimbra, sempre acossado pelas milícias de Trant, verdadeiro povo em armas. É então, a 25 de Setembro, que Massena toma conhecimento das disposições defensivas do Exército Anglo-luso no Buçaco. Embora os seus subordinados fossem, inicialmente, de opinião de que se deveria atacar de imediato, Massena vai pessoalmente a Moura a 26, hesita, e acaba por decidir atacar a 27 de Setembro.
Lord Wellington havia postado as suas unidades ao longo das alturas da Serra do Buçaco, montanha agreste e em que predominava a vegetação rasteira, bem diferente do que é hoje. O Exército Anglo-luso era constituído, quase em partes iguais, por experientes soldados britânicos e inexperientes tropas portuguesas, acabadas de formar. Ou seja, o novo exército português, renascido das cinzas após o desmantelamento levado a cabo por Junot, em 1807-1808, iria ser posto à prova e, com ele, a capacidade de Portugal se reerguer e se afirmar no panorama europeu.
O dia da batalha amanhece brumoso. Logo aos primeiros alvores, o 2º Corpo de Exército, do General Reynier, com cerca de 15.000 homens, começa a penosa escalada da serra, a partir de Sto. António do Cântaro. As formações de combate, graças à natureza do relevo, dispersam-se, combatendo sem apoio mútuo. Mesmo assim, uma unidade francesa conseguiu atingir o cume da serra, onde se travou violento combate corpo a corpo, obrigando os anglo-lusos a reforçar esse sector. Finalmente repelidos, os sobreviventes do ataque francês descem a encosta dispersos e como podem, sempre fustigados pelo fogo inimigo.
Quando os franceses de Reynier atingiram o cume, e com o nevoeiro a dissipar-se, iniciou-se então o ataque do 6º Corpo do Marechal Ney, partindo de Moura e em direção a Sula. São cerca de 23.000 soldados aguerridos que se lançam ao ataque através desta serrania. Mas o ataque de Reynier já tinha sido repelido e os aliados puderam concentrar-se nesta nova ameaça. Na zona do Moinho de Sula, os anglo-lusos aguardavam, fora das vistas, o ataque inimigo e, no último momento, surgiram de surpresa, com fogo bem nutrido, complementado por uma carga à baioneta. Os atacantes fugiram então desordenadamente encosta abaixo, assinalando assim o fracasso deste ataque. Em vista destes reveses, Massena decidiu então não insistir e tentar contornar a montanha. Após cerca de duas horas de combates, a batalha que envolveu mais efectivos em Portugal, cerca de 120.000 homens, estava terminada.
O novo exército português tinha dado provas. Não era mais um cadáver moribundo e sem préstimo, amputado das suas melhores partes, mas era um exército novo, adestrado e equipado à semelhança do seu aliado e capaz de, competentemente, tomar parte na defesa do país.
Como sabemos, Massena acabou por contornar a serra por Boialvo, Wellington retirou, os franceses saquearam Coimbra e progrediram para Sul, em direcção a Lisboa, sempre com a paisagem devastada pelas populações, impedindo a obtenção de abastecimentos aos invasores. Finalmente, atingiram as Linhas de Torres Vedras, obstáculo intransponível, onde estava entrincheirado o Exército Anglo-luso. A partir daqui, foi a expectativa de reforços e a penosa retirada, já em 1811, acto final desta invasão.
O Buçaco marca, assim, o renascer da força armada, e uma nova era marcada pela competência e eficácia. É este o motivo pelo qual esta batalha é tão marcante para o Exército Português que, desde há muitos anos, comemora a data com uma cerimónia religioso-militar, de grande adesão popular, e aí mantém um Núcleo Museológico e monumentos militares.
Entretanto, as autarquias da zona começaram a aderir às comemorações, elaborando programas cada vez mais completos e, neste ano de 2017, conta com o empenho conjunto dos municípios da zona do campo de batalha, Mealhada, Mortágua e Penacova. Além dos vários eventos, deve destacar-se a abertura do Centro de Interpretação da Batalha do Buçaco, em Mortágua.
Resta referir que, este ano, foi aberto o procedimento para a classificação do Campo Militar da Batalha do Buçaco.
No Buçaco existe uma memória, existem eventos e existe património. E existe um grande potencial de Turismo histórico-militar.